sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Senhor Krauze: O Homem Diante do Espelho


Grace Kolman

         Comecei a ler o senhor krauze e não consegui parar, porque a narrativa acompanha o ritmo do meu pensamento, que também não para. Acompanha as minhas dores, que também não param: “?ja imaginou se a gente fosse feliz.”
         Ler o senhor krauze é como olhar-se no espelho sem acreditar no que se vê:

olhando pra frente
pros olhares não se encontrarem.
sem conversa.
sem intimidade.
era como se o senhor krauze
ele quisesse me dizer alguma coisa.

         A obra é dotada de um requintado humor negro. É melhor rir, se quiser de defender dessa inimitável sátira social.
         A obra toca nos nossos medos mais profundos, nos nossos credos mais absurdos, nas nossas contradições e loucuras. Tem tanto a oferecer que fica difícil de listar as qualidades socioliterárias dessa obra. O “senhor krauze” deve ser degustado com os cinco sentidos, talvez até com o sexto. É como ler Salman Rushdie, autor dos Versos Satânicos. No começo é confuso, mas é pela confusão que vem o sentido. Cabe ao leitor entregar-se de corpo e alma. Foi assim que entrei em sintonia com o “senhor krauze”. Ele quer o leitor perto, quer tocá-lo. Usa a escritura como uma mão que te pega de surpresa.
         É essa linguagem cibernética que dá um toque de vanguarda à obra, traduzindo pela veia literária a tecnologia e o caos do mundo contemporâneo. Quando iniciei a leitura do “senhor krauze”, sabia que o texto me pertencia. É como se eu mesmo o tivesse escrito. Esse sentimento de posse é algo que também encontrei nas obras de Gaston Bachelard. Não há faz de conta. Não há falsa beleza. Somente poesia pura, rude, envolvente. A forma se transforma em personagem, deixa o leitor encucado; encantado: como pode a própria escritura ser um personagem do “conto”? Essa linguagem “bastarda” e “híbrida” torna a obra dinâmica, excitante, alucinante, chocante e deliciosa.
         Caldas apresenta uma alternativa à literatura burocratizada, amordaçada pela necessidade de agradar, para vender. O senhor krauze é a literatura fora do buraco.

?descobrimos quem somos.
acho q não.
o verdadeiro é falso
y o falso é verdadeiro:
nenhum dos dois vale nada.

         Assim é o “senhor krauze”:

tudo ta ficando claro:
claro demais:
eu sou o senhor krauze.

         E estou diante do espelho.
         O senhor krauze é um “conto” fascinante. Assim como eu, sei que outros leitores vão encontrar passagens nesse livro que não esquecerão jamais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário